“variações infímas podem alterar irreversivelmente o padrão dos acontecimentos” Uma simples mistificação dos economistas americanos, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias, cientificamente dada a conhecer á Humanidade por Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos.

domingo, dezembro 23, 2007

Gato Fedorento vs Sócrates e Hamlet

Carta Aberta a Diogo Infante” por Ricardo Araújo Pereira (publicada no Jornal de Letras) *****

“Nas próximas semanas, vai morrer todos os dias. Como calcula, desejo-lhe sorte. Suponho que morrer não seja tarefa fácil, embora não tenha dados concretos para sustentar esta posição. Toda a gente me diz que morrerei também, um dia, mas não sei se acredite. Só porque todas as pessoas que viveram no mundo antes de mim acabaram por morrer, isso não quer dizer que eu morra também. Não sou supersticioso. Para dizer a verdade, não sei o que requer mais coragem: morrer, ou interpretar o Hamlet. Embora sejam duas actividades que se relacionem de mais que uma maneira, talvez encarnar o príncipe da Dinamarca seja mais arriscado do que, digamos, falecer. É que não há, no falecer, grandes hipóteses de errar. Falece-se, e pronto. Mas encarnar Hamlet pode dar-nos cabo da vida. Como a morte – lá está.
Sócrates, ao que diz Platão, não só não tinha medo da morte como estava relativamente interessado em morrer. Dizia que, sendo a morte igual a um sono sem sonhos, só poderia ser bem-vinda. Parece que a Xantipa era uma esposa pavorosa e não é dificil imaginar as recriminações que lhe fazia. “Andaste outra vez na maiêutica com os teus amigos, meu vagabundo”, “já te disse para não filosofares na cama, que me deixas os lençóis cheios de sofismas”. Enfim, o costume. Não admira que Sócrates estivesse ansioso por uma boa soneca, mesmo que fosse eterna. Hamlet não tem a mesma certeza de que a morte seja um sono sem sonhos. Receia que o undiscovery country possa ser um sono com sonhos terriveis. Se fosse apenas o sono sem sonhos de Sócrates, tudo seria mais simples para o principe diamarquês.
Curioso é que o herói de everyman (que, não por acaso, Philiph Roth também põe a falar com um coveiro) parece estar tão certo como Sócrates de que a morte é um sono sem sonhos, mas isso já não lhe chega. Pelos vistos, para o homem moderno, a morte perdeu boa parte do seu encanto. A idade não perdoa, e a velhota também já não é o que era.
Quanto a mim, só tenho uma hipótese: seja a morte o que for, o meu trabalho é fazer pouco dela. A minha missão é fazer aquilo que Hamlet sugere à caveira do bobo Yorick: “Vai procurar a minha senhora e dia-lhe que, por mais pintura que ponha no rosto, é a este estado que irá chegar”. Fá-la rir disso. “Sempre acreditei que a vida será melhor para todos se conseguirmos rir disso”. Boa sorte, por isso, para si e para mim.

 
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