“variações infímas podem alterar irreversivelmente o padrão dos acontecimentos” Uma simples mistificação dos economistas americanos, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias, cientificamente dada a conhecer á Humanidade por Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos.

terça-feira, setembro 30, 2008

“A crise petrolífera mundial”

artigo de Shigeaki Ueki - publicado na Folha de São Paulo em 5 de Outubro de 2000.

"O governo Clinton decidiu disponibilizar 30 milhões de barris do seu estoque estratégico no mercado norte-americano para evitar um aumento maior no mercado futuro do petróleo, que na semana passada tinha alcançado US$ 37,80 para o WTI, isto é, mais do que o dobro do preço vigente em 1997/99.
Para o Brasil é importantíssimo não somente entender a crise, mas tomar medidas que neutralizem os seus efeitos danosos para a nossa economia, pois ainda dependemos da importação de cerca de 30% do petróleo e gás natural que consumimos diariamente.
Os 30 milhões de barris disponibilizados pelo governo norte-americano representam menos de dez horas do consumo mundial -ou menos de dois dias do consumo norte-americano. A excessiva dependência energética de hidrocarbonetos, petróleo e gás natural, apesar de os países desenvolvidos haverem diminuído o consumo diante do crescimento da economia, vai sempre ameaçar a estabilidade da economia mundial e afetar de forma mais contundente os países menos desenvolvidos, como o Brasil, que, para cada ganho adicional de sua economia, necessitará de mais energia do que os países desenvolvidos. Assim, o consumo mundial de petróleo e gás natural tem crescido muito no Brasil e em outros países emergentes. Em outras palavras, a atual crise afeta muito mais o Brasil do que os Estados Unidos, a União Européia e o Japão.
As duas crises anteriores tinham, além dos componentes típicos do mercado, dois aspectos de suma importância. O primeiro era o aspecto político resultante da Guerra Fria, o conflito entre Israel e os países árabes no Oriente Médio, onde está a maior reserva de petróleo e gás natural do mundo. Felizmente o mundo bipolarizado, sob a liderança de duas potências nucleares, não existe mais. Os últimos países comunistas, como China, Cuba e Coréia do Norte, estão adotando o capitalismo com grande entusiasmo e estão, certamente, acompanhando o mercado futuro do petróleo com a mesma aflição que nós, pois esses últimos países socialistas são importadores líquidos de petróleo. Portanto não há mais o componente político na atual crise.
O segundo aspecto foi a crise financeira internacional de 1970/73, que levou os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em conjunto, à elevação dos "posted price" do petróleo, que serviam de base para a cobrança dos impostos ("government take"), ao que se seguiu a criação e o fortalecimento do eurodólar, o fim da conversibilidade do dólar em ouro ("Nixon Shock") e o aumento inusitado da liquidez internacional, causando inflação. A crise financeira mundial, associada à crise política, acabou provocando uma elevação do preço do petróleo e do gás natural em níveis jamais esperados pelo mercado em 1973/74. Se analisarmos o quadro de 1979/1980, quando ocorreu o segundo choque e o preço subiu a US$ 42 da época, podemos verificar que tivemos um cenário muito semelhante ao de 1973.
Hoje, felizmente, não vivemos uma crise financeira. As taxas de juros em dólar estão em nível civilizado. Vale lembrar que, no início dos anos 80, a taxa de juros do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) alcançou 20% ao ano. Levou quase todos os países devedores à inadimplência. Mas, se não temos os componentes políticos e financeiros das duas crises anteriores, por que em menos de um ano dobraram os preços? Os preços do petróleo e do gás natural antes da crise de 1973/74 eram mais estáveis. O mercado era mais ou menos controlado pelas grandes empresas globais, as chamadas "sete irmãs". Com as duas crises, além das sete irmãs e empresas estatais dos países exportadores e importadores, novas empresas independentes foram constituídas. Além disso foi criado o mercado futuro, no qual bancos, grandes casas de comércio, fundos de pensão, companhias de seguros e pessoas físicas adoram ter posições compradas e vendidas de petróleo, gasolina, diesel, soja, milho etc.
Esse mercado hoje é muitas vezes maior do que o mercado físico. É um mercado altamente especulativo. Basta dizer que US$ 1 de aumento nos preços de petróleo e gás natural significa transferência da ordem de US$ 27 bilhões por ano no mercado físico. Com um aumento médio de US$ 10, como estamos tendo, a cifra alcança US$ 270 bilhões dos compradores aos vendedores.
Imaginem a quanto monta no mercado de papéis. Daí a razão da atual elevação de preço ter um destaque maior nas páginas financeiras. Ousaria até dizer que a atual crise vem mais do mercado financeiro que da
Opep ou das grandes empresas de petróleo. Se aceitarmos o princípio de que a especulação é necessária para manter a liquidez do mercado e que sempre a realidade do mercado físico é que acaba prevalecendo no mercado futuro e de papéis, então, nós importadores ficaremos cada vez mais dependentes da Opep.
Pois hoje, diferentemente de ontem, a Opep, com profissionais formados nas melhores universidades norte-americanas e européias e com o olho no mercado futuro, orientará as suas ações cada vez mais competentemente. Vai ganhar não somente na alta, mas também na baixa.
Temos de conviver com uma alta volatilidade. Para o nosso país, passou a ser muito mais importante acelerar os projetos a fim de diminuir a nossa dependência externa. Gerar energia elétrica com hidrocarboneto importado vai afetar negativamente o nosso balanço comercial. Além da busca e da produção de hidrocarbonetos em nosso país, se pretendemos ser um país desenvolvido, temos de revigorar o plano de álcool, consumir mais carvão mineral nacional, hidroeletricidade, utilizar energia nuclear, como os países desenvolvidos, energia eólica, solar etc. Todas as fontes que, em última análise, proporcionem economia de divisas. A legislação tributária deve ser revigorada como instrumento de política econômica para estimular o consumo de fontes energéticas de origem nacional.
Não devemos esquecer que, em nosso país, o consumo de energia ainda é baixo devido ao insatisfatório nível de desenvolvimento. Para atender à demanda projetada para o ano 2010 no Brasil, temos de dobrar a oferta de energéticos. É um grande desafio para os responsáveis pelo setor".

Shigeaki Ueki, 65, é vice-presidente da Comercial Yamamoto Ltda. Foi diretor comercial e financeiro da Petrobras (governo Médici), ministro das Minas e Energia (governo Geisel) e presidente da Petrobras (governo Figueiredo).

 
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