Blindness
se o argumento é sobre uma epidemia de cegueira, todas as cenas estão cheias de cegos.
(excerto em brasileiro do blogue de Fernando Meirelles)
“Falo em figurantes pois neste filme eles não são apenas gente que cruza o quadro imitando o movimento das ruas. Aqui estão todos cegos. Todo mundo tem que atuar e esse pequeno detalhe foi o motivo que quase me tirou deste filme quando pensei em dirigi-lo. Cada vez que imaginava uma cidade ocupada só por cegos a imagem que me vinha era a de uma população caminhando pelas ruas com os braços estendidos como num filme B, ou Z, de Zumbi. Socorro, pensava. Mas sei que cegos não andam assim, então a primeira providência foi chamar o Chris Duvenport, preparador de actores, e convidá-lo para me ajudar a evitar que este “Ensaio Sobre a Cegueira” virasse um remake do Regresso dos Mortos Vivos.
De caras, o Chris aceitou o convite. Chamou a sua assistente, colocou uma venda preta nos olhos e foi andar pelo Ibirapuera. Se animou com a sensação e resolveu correr, até encontrar uma árvore. A experiência é uma forma de aprendizado e ele aprendeu com a cabeçada ou com o galo que havia outro caminho para fazer este trabalho: começou então com um grupo bem pequeno de atores numa sala. Todos vendados, foram convidados a explorar o local por horas a fio. No começo andavam animados, usavam as mãos, encontravam os obstáculos que eram colocados no caminho, disputavam um biscoito. Mas depois veio o tédio, algumas sensações estranhas, depressão às vezes, paz para alguns. Essas oficinas foram evoluindo. Aos poucos, o Chris foi aumentando o número de participantes e passou a levá-los para espaços maiores ou para passeios ao ar livre.
Em Maio, ele organizou uma destas oficinas para a equipe do filme. Aprendi muito sobre som nas horas em que fiquei cego e decidi que vamos ser muito experimentais em nossa mixagem. Percebi também como a percepção do espaço é fragmentada e precária quando se usa apenas as mãos para entendê-lo, então decidi simplesmente abolir a geografia neste filme. Quem tentar entender qual corredor leva a qual parte do asilo vai perder seu tempo. Rodamos cada cena como nos dava na telha, sem nos preocupar se o ator deveria sair pela direita ou pela esquerda, na esperança de dar ao espectador um pouco da desorientação que a experiência da oficina me trouxe. Reflexos o tempo todo, imagens abstratas, mal enquadradas, desfocadas ou superexpostas completarão a receita da desconstrução do espaço (ou da visão?) neste filme. Tomara que funcione, agora é tarde para recuar”.
[Fernando Meirelles]
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