“variações infímas podem alterar irreversivelmente o padrão dos acontecimentos” Uma simples mistificação dos economistas americanos, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias, cientificamente dada a conhecer á Humanidade por Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Darwin, lido e aprovado

Últimas reflexões sobre a antropologia darwiniana;
Patrick Tort

A teoria darwinista, um dos mais importantes pensamentos fundadores em matéria de ciência, alicerce da teoria materialista e anti-criacionaista, foi usada e abusada por várias correntes ideológicas que se apropriaram, equivocadamente ou intencionalmente, da sua teoria evolutiva, da seleção natural e da antropologia darwiniana para justificar teorias sociais do desigualitarismo. De forma que o legado darwinista acabara servindo de inspiração para as teorias "modernistas" da eugenia, a ideologia que fundamentava o "racismo científico", e fundador de quase todas as sociologias biológicas evolucionistas.
A responsabilidade por tal equívoco cabe, em primeiro lugar, sobre o evolucionismo filosófico de Spencer, sistema de pensamento que serve como referência ideológica ultral-liberal, emergente do contexto de lutas ideológicas que é o da Inglaterra nos anos de 1860, fundamentando-se na teoria darwinista da evolução das espécies. Isso além de representar as aspirações da burguesia industrial inglesa.
Spencer tinha uma visão orgânica da sociedade, e como um organismo, esta estaria passível de evolução. Num total equívoco, ou oportunismo, a teoria da seleção natural é adotada para tratar das sociedades, onde os mais fortes prevalecem e devem sujeitar os mais fracos para garantir a "seleção natural" dos seres humanos.
"A adaptação é a regra de sobreviência no seio de uma concorrência interindividual generalizada: os menos adaptados sem apelo e sem consideração". Esse ultraliberalismo de Spencer abraça a teoria Darwiniana justificando e incentivando a concorrência entre os homens.
A preocupação de Spencer está em aplicar a teoria darwiniana não em um corpo onde seu uso seria legítimo, mas onde Darwin recusa precisamente sua aplicação: na marcha das sociedades humanas. Tal deslize científico trará as piores conseqüências conceituais, teóricas e políticas na Europa e no mundo.
Spencer utiliza de Darwin como uma chave para uma antropologia social evolucionaista e/ou sociobiologia. Spencer é, então, o fundador do "darwinismo social" e "criador de todos os paradigmas comuns às sociobiologias ulteriores da história."
O erro deu-se na determinação, e interpretação, dos "conceitos-chave" da antropologia darwiniana (alheia à antropologia evolucionista). Para Darwin, "a seleção natural seleciona a civilização, que se opõe à seleção natural." A civilização, tende a excluir, cada vez mais, pela ética e através das institucionalizações, os comportamentos eliminatórios. A seleção natural de Darwin, não seleciona apenas "variações orgânicas", mas também a instintos que também apresentem uma vantagem evolutiva. "No lugar da eliminação dos menos aptos, aparece junto com a civilização, o dever de assistência que põe em operação, no seu lugar, múltiplos recursos de ajuda e de reabilitação."
Através dos instintos sociais desenvolvidos pela ética, a seleção natural assume o seu caráter reversivo, selecionando, desta forma, seu contrário.
Em outras palavras: as sociedades humanas passam a adotar um conjunto de comportamentos anti-eliminatórios e, portanto,"anti-seletivos no sentido assumido pelo termo seleção na teoria desenvolvida em A ORIGEM DAS ESPÉCIES."
A emergência progressiva da moral nas sociedades aparece como um fenômeno indissociável da evolução, fundamentando uma teoria materialista dos fundamentos da moral, desvinculando a idéia de ética de uma obrigação transcendental e/ou metafísica. A teoria da seleção natural estende-se desta forma à explicação do devir das sociedades humanas.
Tanto a sociobiologia de Spencer quanto o discurso de ruptura para com a teoria Darwiniana devem ser recusados. O primeiro por não ser, verdadeiramente darwiniano, e o segundo, por não considerar que a seleção natural submete-se a sua própria lei, numa forma onde a humanidade favorece a proteção dos fracos, transcendendo da esfera da biologia para a esfera social. A teoria da evolução das sociedades humanas de Darwin pode ser resumida como a dialética das realidades biológicas versus sociais. "Levando-se me conta a formidável conversão que implica o universo mental darwiniano, uma vez compreendido o seu continuísmo evolutivo, a distinção teorízável entre dois tipos de realidades (biológicas e culturais) se desvanece no seu essencialismo para se reformular como distinção dialética." Poucos são os estudiosos que submetem suas análises à dialética. Inclusive as teorias liberais-spencerianas pecam em obscurecer a verdadeira teoria darwinista com a na- prática da dialética. Ao recusarem a árdua jornada intelectual que implica uma visão dialética do problema, os pensadores liberais que monopolizaram a antropologia darwiniana "desviaram a curso do rio", fundamentando "teorias da concorrência" que, sob uma ótica darwinista, não teria o menor cabimento. A seleção natural sob a modalidade do efeito reversivo , obriga a conceber a derrubada mesma da operação seletiva como base e condição do acesso à civilização.
Uma pergunta que paira no ar, após todos esses anos, é: por que, diabos, o efeito reversivo não fora visto dantes? Bom, além da "formatação filosófica" imposta pelo pensamento spenceriano, da nova organização econômica social, onde uma "lei de evolução" que era, na verdade, uma nova versão de teorias de progresso desenvolvidos muito antes por teóricos do liberalismo.
Adicionamos isso à total confusão (intencional ou não) executada pelo pensamento Spenceriano quanto à teoria darwinista. E, talvez o principal motivo: La Descendance de l´Homme era esperada como a continuação de A Origem das Espécies, e, por isso mesmo, foi pouco lido e, quando lido, seus comentadores davam mais ênfase quanto as nossas relações e ligações com a animalidade que a seu verdadeiro propósito: a exposição da teoria da reversão. "Devemos ao efeito da reversão as nossas aquisições originais de nossos instintos sociais." " ... por mais importante que tenha sido a luta pela existência e ainda o seja, outras influências mais importantes intervieram no que diz respeito à parte mais elevada da natureza humana.
As qualidades morais progridem de fato diretamente ou indiretamente, bem mais pelos efeitos do hábito, pelo raciocínio, pela instrução, pela religião, etc, do que pela ação da seleção natural, ainda que possamos atribuir com certeza à ação desta última os instintos sociais, que são a base do desenvolvimento do sentido moral."(Charles Darwin, La descendence de l´homme).
Outra grande causa do equívoco e da confusão do pensamento de Darwin foi o nascimento da eugenia. O eugenismo foi a tentativa de demonstrar o caráter hereditário das qualidades intelectuais, e estabelecer estatisticamente a estrita hereditariedade do gênio, fazendo total abstração dos fatores educativos.
Francis Galton, primo de Darwin, fora o primeiro teórico do eugenismo. A sua doutrina era hostil à reprodução dos "pobres e indolentes", pensada como um obstáculo ao aumento numérico dos "homens superiores".
O eugenismo fora uma tentativa de selecionar artificialmente novas gerações humanas, gerando, artificilmente, a evolução da espécie humana e criando um novo homem: o super homem! Assim surge a idéia e a "recomendação de medidas institucionais de intervenção corretora e compensadora tendo como finalidade restaurar a qualidade biológica do grupo pela introdução duma seleção artificial aplicada aos seus membros." De Darwin até o nazismo na Europa, o caminho é cortado por inúmeras correntes ideológicas cuja característica comum é a traição do pensamento integralmente desenvolvido de Darwin; o que foi escrito sobre o Homem não está contido no seu trabalho "A Origem das Espécies", mas onde o assunto é, de facto, tratado: "La Descendence de l´Homme". "O transformismo darwiniano em antropologia era um humanismo materialista aberto para a ética assimilativa e oposta a qualquer forma de opressão e coerção desigualitárias." De resto, toda essa maré de confusões e equívocos em relação ao pensamento darwiniano pode ser evitada, com a leitura partindo de um ponto de vista dialético da sua obra.
Quando assim for feito não restará, qualquer vestígio que seja, do mito de que o legado darwinista fora responsável pelo desenvolvimento de inúmeras teorias do desigualitarismo e, inspirador da terrível solução final nazi.

 
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