Atrás da Europa a passo de tartaruga
Santana Castilho, no “Publico”
“Quer o indicador seja a totalidade da população ou a percentagem dos empregados ou desempregados, cerca de três quartos dos portugueses não passam da escolaridade básica ou nem sequer a têm. Com o secundário, estão qualificados 14 por cento. Mas o dramático que o trabalho de Eugénio Rosa revela é que, ao ritmo a que vimos a andar, teremos que esperar 89 anos para chegar à média comunitária actual, que é de 68,9 por cento – se olharmos para os números do abandono escolar e os projectarmos no futuro, mantendo a cadência do presente, um calafrio percorre-nos a espinha: teremos de esperar 140 anos para atingir a actual média europeia (...)
Não tenho memória de um Presidente da República promulgar tão meteoricamente um decreto-lei de gestão corrente como Cavaco Silva fez relativamente ao polémico negócio da Física e da Química. Vinte e quatro horas úteis após a decisão do Governo, a promulgação presidencial e a publicação no jornal oficial consumavam-se. Quem esteja familiriarizado com o processo normal reconhecerá que foi inédita esta façanha e só possivel com uma notável e invulgar colaboração prévia de Cavaco Silva. Que tem, naturalmente, um profundo significado politico de suporte ao Governo e à ministra da Educação, em matéria tão controversa e duvidosa como a que está em causa. Seria assim com Soares ou Alegre em Belém? Se a resposta for não, sobra razão a Sócrates para lhes ter feito o que fez. A opinião demolidora do Provedor de Justiça e o empenho dos pais inconformados antecipamque a polémica não findou.(...)
Como se se tratasse de uma novidade, os patuscos serviços de imprensa da ministra da Educação fizeram saber à comunicação social que irão ser feitas “provas de aferição” no próximo anos lectivo, nos 4º e 6º anos de escolaridade. Para tranquilizar as hostes, a ministra logo se apressou a esclarecer que não haveria consequências para os alunos. Ora as provas de aferição apareceram em 2000 e foram arrumadas porque não serviram para coisa alguma. Consumiram dinheiro, ocuparam teóricos de gabinete a tratar dados sem validade e divertiram as criancinhas chamadas a responder a testes sem “consequências para os alunos”. É por estas e por outras que nem os 140 anos referidos acima vão chegar! (...)
Um belo “complicómetro” é o resultado da autêntica caldeirada saída da Comissão de Educação, Ciência e Cltura da Assembleia da República, após a pergrina ideia do Governo sobre os manuais escolares. O que aí vem vai ser mau para todos, graças à ignorância e à falta de senso de alguns. Deixo-vos aqui uma pérola deste colar de 18 páginas. No artigo 3º, sob a epígrafe Conceitos, ficamos a saber que “outros recursos didácticos-pedagógicos” são (...) “os recursos de apoio à acção do professor e à realização de apredizagens dos alunos, independentemente da forma de que se revistam, do suporte em que são disponibilizados e dos fins para que foram concebidos...”
Mias à frente, no artigo 23º, sujeitam-se ao regime de preços convencionados os “recursos didácticos pedagógicos” e prevê-se que portarias ministeriais fixem preços máximos para os ditos recursos, caso nada seja convencionado ou não se verifique acordo entre a totalidade dos agenntes económicos interessados.
Estão a ver o que isto significa? Um luxuoso livro de cozinha encadernado a ouro e concebido para oferecer às tias inglesas pelo Natal, se usado na EBnº3 de Ranholas para ajudar as criancinhas do ensino básico a dizer “pevides” na língua de Shakespeare, pode ser alvo de uma portaria que lhe mudará o preço de 99 euros para 99 cêntimos. Viva a economia de mercado!”
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