Presos 400 militantes do MRPP
Antes de partir para o encontro da NATO em Bruxelas, em 28 de Maio de 1975, Vasco Gonçalves promoveu uma reunião do Conselho da Revolução – que decidiu calar para sempre o MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), dirigido por Arnaldo Matos.
A ofensiva contra a organização maoísta foi a resposta a um sequestro levado a cabo por um grupo de militantes chefiado por Saldanha Sanches. O MRPP, em 17 de Maio, sequestrou um oficial ‘comando’, Marcelino da Mata, guineense de etnia Papel, que serviu o Exército Português na guerra colonial integrado no Batalhão de Comandos Africanos. Marcelino da Mata foi entregue pelo MRPP à assembleia de soldados do RAL 1 e severamente torturado.
Nesse mesmo dia, Arnaldo Matos convocou uma conferência de Imprensa – e denunciou que o comandante Alpoim Calvão estava a constituir um exército clandestino em Espanha para atacar Portugal. Marcelino da Mata, segundo o MRPP, trabalhava para Alpoim Calvão. No dia seguinte, em acções de rua organizadas em Lisboa, Amadora e Santarém, o MRPP exije “justiça popular” sobre Jaime Neves e Salgueiro Maia. Ainda no dia 18, o MRPP manifesta-se ruidosamente junto à embaixada norte-americana a reclamar a expulsão do embaixador Frank Carlucci, antigo director da CIA.
O sequestro de Marcelino da Mata foi conduzido por forma a atirar as culpas para a ala militar afecta ao Partido Comunista. E as acusações a Jaime Neves e a Salgueiro Maia, ambos moderados, levaram a uma pública intervenção do capitão Matos Gomes, um dos mais influentes oficiais comunistas do Regimento de Comandos, em defesa dos dois militares.
O Conselho de Revolução, na reunião em 27 de Maio, decidiu calar o MRPP. No dia seguinte, já Vasco Gonçalves estava em Bruxelas para o encontro da NATO, forças militares do COPCON, comandado por Otelo Saraiva de Carvalho atacam o MRPP: em 28 de Maio, foram presos 400 militantes do MRPP, na sua maioria estudantes, em Lisboa. Entre os detidos, Arnaldo Matos.
Surgiu então, pintada nas paredes da capital, a célebre frase: “Libertação imediata do camarada Arnaldo Matos - o Grande Educador da classe operária”.
Arnaldo Matos conseguiu evadir-se do Hospital Militar, onde estava internado sob prisão. O partido, embora em dificuldades, conseguiu movimentar-se – e os militantes e dirigentes presos acabaram por ser libertados pouco tempo depois. O episódio da guerra aberta contra o MRPP demonstra, ainda, a inconstância política de Otelo Saraiva de Carvalho. O comandante do COPCON, a unidade militar na primeira linha da ofensiva que visou o MRPP, mantinha alguns encontros com Arnaldo Matos – e chegou a aconselhar Vasco Gonçalves, a encontrar-se com o líder maoísta.
Durante os meses que se seguiram à Revolução de Abril, Francisco Sá Carneiro, líder do Partido Social-Democrata (PSD) encontrou-se secretamente, por várias vezes, com Arnaldo Matos. Os encontros decorreram em casa do coronel Aventino Teixeira, conhecido como o “mais civil dos militares”, com amigos em todos os campos políticos, da direita à extrema-esquerda.
A ligação do militar a Arnaldo Matos é antiga. Conheceram-se na Faculdade de Direito, ainda antes de 1970, quando Aventino Teixeira, colocado na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), no Lumiar, em Lisboa, resolveu ir estudar Direito. Nesse tempo, numa altura em que Arnaldo Matos era procurado pela PIDE, Aventino Teixeira teve artes e engenho para esconder o futuro “grande educador da classe operária” onde se sabia que a polícia política nunca o encontraria: no quartel.
Duas correntes agitavam então o MRPP. Uma, inspirada por Arnaldo Matos, definia o Partido Comunista como o principal inimigo político - era a “linha vermelha”. Outra, liderada por Saldanha Sanches, defendia uma aproximação aos comunistas – era a “linha negra”. O conhecido especialista em Direito Fiscal acabou por perder esta guerra e saiu do partido. Estava a cúpula dirigente do MRPP dividida entre a eleição do inimigo, quando do lado do PSD surgiu a sugestão para o primeiro encontro entre Sá Carneiro e Arnaldo Matos. O portador do convite foi Aventino Teixeira. A reunião decorreu em casa do militar, nos Olivais. E de que falaram os líderes do PSD e do MRPP? “Limitei-me a servir os whiskies” - dirá mais tarde Aventino Teixeira.
O certo é que Sá Carneiro, após estes encontros, passou a utilizar nos comícios expressões como “social-fascistas” e “social-imperialistas” – exactamente os mesmos adjectivos com que o MRPP habitualmente se referia ao Partido Comunista.
a REVOLUÇÃO DIA A DIA
25 de Maio - Sá Carneiro, doente no estrangeiro, cede o lugar de secretário-geral do PPD a Emídio Guerreiro.
27 de Maio - Extrema-esquerda ocupa a Rádio Renascença - que, em vez da designação de emissora católica, passa a chamar-se Rádio Renascença ao serviço dos trabalhadores.
28 de Maio - Vasco Gonçalves participa em Bruxelas numa reunião da NATO. Ofensiva do COPCON contra o MRPP: é preso Arnaldo Matos e mais 400 militantes. Manifestação de apoio ao MFA, em Lisboa, convocada pelo PCP.
ARNALDO MATOS
O Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) de inspiração maoísta foi fundado em 18 de Setembro de 1970, numa casa da Estrada do Poço do Chão, em Benfica, Lisboa. Os fundadores foram Arnaldo Matos, Fernando Rosas e João Machado (funcionário dos TLP). Em 1969, Arnaldo Matos ganhou a Associação de Estudantes da Faculdade de Direito, à frente da lista da Esquerda Democrática Estudantil: derrotou então uma lista inspirida pelo PCP e encabeçada por Alberto Costa, actual ministro da Justiça.
ENCONTROS SECRETOS ENTRE O PS E O MRPP
Mas não foi apenas Sá Carneiro a sentir o fascínio e o apelo da extrema-esquerda. Também Mário Soares se encontrou várias vezes com Arnaldo Matos. O resultado destes encontros consubstanciou-se no apoio do MRPP ao PS em acções de rua e para travar o PCP em sindicatos e empresas.
Um dos encontros entre Mário Soares e Arnaldo Matos foi rodeado de aspectos anedóticos. Soares foi vendado e metido dentro de um carro que andou às voltas por Lisboa – para que ele não soubesse o local secreto onde iria avistar-se com o líder maoísta. Passou a existir uma estreita cooperação entre socialistas e maoístas, sobretudo quando o PS precisava de assanhados reforços para algumas acções de rua. Uma vez, os socialistas foram cercados na sede, em S. Pedro de Alcântara, por manifestantes do PCP e da UDP. A ajuda chegou pelo MRPP – que mobilizou uma verdadeira companhia de choque devidamente armada com barras de ferro. Após um monumental arraial de pancadaria, em que do lado maoísta foram disparados alguns tiros, os manifestantes do PCP e da UDP abandonaram vencidos o campo de batalha.
Manuel Catarino - CORREIO DA MANHÃ - 22.05.2005
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