“Sobre Carrilho, duas coisinhas que se arriscam a ficar esquecidas no meio da confusão: foi o melhor ministro da Cultura que o país teve desde o 25 de Abril e, se tivesse sido eleito para a Câmara de Lisboa, teria sido, muito possivelmente, a personalidade de que a cidade desesperadamente precisa desde Duarte Pacheco nos anos de 1940.
O problema de Carrilho é que não percebeu que os politicos não podem ser “famosos” como são os outros “famosos”, jogadores de futebol, actores e actrizes, apresentadores de televisão, “famosos” profissionais. A todos estes, os media pedem a exibição da vida familiar e de alguns pecadilhos. Todos estes podem dar facadas nos casamentos e noivados, apanhar bebedeiras, descobrir o corpo à beira de piscinas, vender os direitos sobre fotografias, etc. Sem isso não teriam interesse mediático.
Mas os politicos não. Os politicos da era da televisão e da democracia de massas têm de parecer humanos mas não podem verdadeiramente sê-lo. Devem ter e exibir discretamente uma vida familiar, sim, mas apenas de dois tipos: ou a do avozinho simpático tipo Cavaco Silva ou a do robot sem verdadeira vida familiar como Blair ou Sócrates. Devem mostrar sentimentos, mas apenas os mais banais e com o maior “sentido de Estado”. Ai deles se dão a mais pequena escorregadela. Se aparentam ter qualquer afecto pronunciado. Se alteram a voz. Se se ofendem. Os media dão cabo deles sem nenhuns escrúpulos. E depois vêm queixar-se (todos contentes) de que os politicos que temos não valem nada e não têm nenhum interesse humano.
Carrilho devia ter percebido isto? Não sei porque é que devia. Tão pouca gente percebe”.
(Paulo Varela Gomes, leitor de Coimbra, em carta ao director do Publico)
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