o melhor filme do ano
Falando do melhor cinema do ano que findou (misturado com ou sem pipocas), deixando de fora o melhor português: “Colossal Youth” (Pedro Costa), passando pela estética operática de “O Novo Mundo” (Terrence Malick), pelo libelo politico “The Wind that Shake the Barley” (Ken Loach) safando-nos do existencialismo lúdico de “Matcht Point” (Woody Allen), aprendeu-se muito mais com “Maria Madalena” (Abel Ferrara) ou de como os apócrifos da downtown nova iorquina se debatem entre dois amores: ou engolem a Fé como se fosse uma pilula de exctasy, ou só acreditam no caos organizado pelo pai Natal;
chegamos ao maior presunto da época: “As Bandeiras dos Nossos Papás” (Clint Eastwood) feito para ganhar massa, óscares e credibilidade; contudo a imagem emblemática de Iwo Jima baseia-se numa falácia: uma mediática encenação levada à cena em 1945 pelo fotógrafo americano Joe Rosenthal que é uma réplica fiel de uma escultura de um modernista italiano do principio do século XX, exposta na Villa Borghese da Roma libertada pelos aliados. Excepto se o blockbuster de hollywood tiver a intenção de (!) desmontar este equivoco fundador da compreensão do mundo americano no pós-guerra, chegamos assim ao melhor do ano:
A separação dos povos pelas diferenças de linguagens, pelas lutas politicas e mais um sem número de mal entendidos culturais são o tema de “Babel” um filme do mexicano Alejandro González Iñárritu (Amor Cão e 21 Gramas).
Segundo a lenda descrita na Bíblia os homens uniram-se para tentar erigir a torre de Babel num esforço conjunto da humanidade para alcançar o Céu, tentativa que enfureceu Deus, que os condenou a vaguear para sempre através da Terra falando línguas diferentes, condenados a nunca mais se entenderem. Até que um belo dia chegou a globalização, o fim das fronteiras para os investidores capitalistas e o drama para aqueles que ficaram presos dentro das antigas linhas de delimitação secular e pacientemente desenhadas pelos homens com miséria, arame farpado, suor, betão e sangue. Mas não é sobre essa velhas epopeias que esta Babel fala. (ver trailer aqui)
A narrativa faz a ligação entre três histórias diferentes sobre temas humanos profundos de personagens em regiões e condições distintas: um casal de americanos em viagem existencial por Marrocos (Brad Pitt e Cate Blanchett), a família da sua empregada doméstica mexicana metida (com Gael Garcia Bernal) em grossas alhadas “à la latina” na fronteira dos Estados Unidos e, finalmente, os causadores da tragédia que unifica a acção, trazida por portas travessas do super- industrializado Japão. O argumento é sem dúvida uma situação forçada pelo realizador, artificial e (1*) manipuladora, (nada disto nos soa a verdadeiro”, comenta o Observer, “tão ofensivamente irreal que parece Lars Von Trier”, diz o Guardian) mas cuja montagem dinâmica ao novo estilo de worldmovie traça de forma brilhante uma parábola verosimil ligando todos os grandes temas da actualidade que “normalmente” nos aparecem desfocados: armas, laxismo, atraso civilizacional, repressão politica, vidas arruinadas, riqueza, drogas, deseducação, sociedades ultra-tecnológicas, miséria, excesso de zelo policial – tudo filmado na óptica de todas estas pessoas com os seus sentimentos vulgares mais que comuns, embora de diferentes status sociais, aquelas que o espectador acompanha – para no final, em jeito de apoteose, lhe aparecer o resultado que todos também vemos normalmente nos ecráns das televisões que nos informam diariamente: o Terrorismo visto por uma fauna mediática de jornalistas e repórteres consoante os interesses que condicionam e manipulam (1*) essa outra montagem dos acontecimentos.
Babel é sobre as fronteiras que cada um de nós traz no seu interior e que são as mais perigosas: a forma de ver as diferentes verdades em que cada um pretende acreditar - o filme de Iñárritu que obteve o prémio em Cannes para o melhor realizador e está nomeado para 8 globos de ouro, merece da generalidade da critica tuga duas bolas pretas e um tom geral de indiferença, chegando um deles no suplementoY (do Publico) a falar de “lamentáveis sequências de exibição aculturada de um mundo global que se quer condenar”. Ou ninguém percebeu nada, ou não quiseram perceber – e então, quando receberem a noticia dos óscares lá vão ter de fazer o frete de rever estes “maleficios da globalização” com outros olhos, sem palas ideológicas.
Alejandro Iñárritu, depois das malvadezes sobre o futuro incerto com que aterroriza emocionalmente os espectadores mantendo-os contantemente em suspense, termina singelamente a pelicula dedicando-a simbolicamente aos seus dois filhos – aos nossos filhos, afinal as duas crianças da saga que acabámos de ver em tratos de polé; e já cá fora procuramos as razões do melodrama: o problema da moderna Babel que nos querem construir não reside nas dificuldades de linguagem, mas nos preconceitos que cada um de nós tem em relação aos outros que nos querem manter àparte. Ou, dito de outro modo fica o recado: se quer ser entendido primeiro escute.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home