O endividamento dos Estados Unidos: uma crescente ameaça à estabilidade global
“É preciso lembrar aqueles que esquecem, onde vai dar o caminho”
Heráclito
Num estudo recente sobre o actual desequilibrio das economias em diversos pontos do mundo, conclue-se que a constante ameaça à estabilidade financeira, é devida ao constante crescimento, sem fim à vista, do endividamento externo dos Estados Unidos. O relatório, que examina os desequilibrios globais actuais e o seu impacto nas taxas de câmbio das moedas correntes, é o terceiro de uma série de estudos publicados pelos economistas Maurice Obstfeld e Kenneth Rogoff nos últimos cinco anos. Ambos são personalidades reconhecidas, tendo Rogoff exercido durante muitos anos o cargo de executivo principal no Fundo Monetário Internacional.
A análise começa indicando que o défice actual dos EUA é de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e continua afirmando que se este valor engloba 75% das inportações do exterior, para equilibrar o saldo da balança de transacções o valor das exportações haveria de ter aumentado em 70% em relação ao valor verificado em 2004.Como tal não se verificou, o risco de danos colaterais no Sistema financeiro global (não considerando os riscos normais das taxas de troca) “cresceram substancialmente” nos últimos cinco anos.
Mas as causas não são apenas o défice, estando envolvidos outros factores: as poupanças pessoais baixaram 1% em relação ao valor médio comparado no periodo dos ultimos três governos nas últimas décadas,,, a subida dos preços da energia,,, e o facto dos EUA se terem tornado cada vez mais dependentes dos Bancos Centrais asiáticos para financiar os seus défices.
Se um choque económico repentino ocorrer, os dois autores concluem que “os danos que daí puderem derivar deverão ser limitados ao recondicionamento das taxas de câmbio e ao colapso de alguns grandes Bancos e Grupos Financeiros, estabilizando-se por fim talvez, com uma recessão na Europa e no Japão.
A globalização financeira é uma espada afiada de Damocles suspensa sobre a estabilidade mundial,com dois gumes: Por um lado aumenta os recursos de Capitais disponíveis, por outro lado “amarrando” todas as Instituições Financeiras juntas, aumenta a velocidade com que um distúrbio numa região pode ser transmitido à totalidade do Sistema Financeiro.A velocidade do declinio financeiro dos EUA começou por variar de +1% a –1% do PIB nos anos 70, começando a cair para défices profundos a meio da década de 80, alcançando um nivel de 3,4% do PIB em 1987. Recuperou ligeiramente no fim da década de 80 e alcançou mesmo um pequeno excesso em 1991, muito em resultado da transferência de U$100 biliões de dólares de fundos dos governos estrangeiros para ajudas de pagamento da Guerra do Golfo.
O actual endividamento iniciou uma deterioração constante a partir dos anos 90, vindo a alcançar o défice recorde de 6% do PIB em 2004, o que requer um fluxo de atracção à economia dos Estados Unidos (inflow) de valores estimados entre U$1,5 bilião a U$2 biliões de dólares por dia para o financiar. Este acesso de capitais tem permitido que as taxas de Juro se tenham mantido a niveis históricamente baixos. Estas taxas baixas, por sua vez, transformaram-se na principal causa da valorização do Imobiliário, sendo o aumento do preço das casas que sustentou por sua vez o aumento da despesa em Consumo interno. Stephen Roach da “Morgan Stanley” conclui: “os rendimentos proporcionados pelos empréstimos à habitação e pelas segundas hipotecas baseados nos juros baixos levou a um excedente de U$710 biliões de dólares nos ultimos quatro anos, representando um crescimento superior em 35% equitativamente comparado aos ganhos pelos rendimentos de Trabalho no mesmo periodo.
Se a Economia se tem sustentado até aqui desta forma, porém, os Défices continuados conduziram a uma deterioração rápida na afluência de Capitais estrangeiros aos EUA. Em 1982 o valor dos capitais entrados era de o equivalente a 7% do PIB. Hoje existe um débito negativo na entrada desses recursos externos na ordem dos 25% do PIB. Este valor aumentará rápidamente se as tendências actuais continuarem. Se o PIB norte-americano crescer 5,5% ao ano e o défice da balança permanecer em 5,5% do PIB a necessidade de financiamentos externos aproximar-se-à dos 100% do PIB e nenhum país em algum caso anterior chegou a este nivel de necessidade sem , de algum modo, se despoletar uma grave crise.
Considerando os riscos enunciados pareceria prudente tentar desde já encontrar politicas para começar gradualmente a reduzir os desequilíbrios globais, sendo evidentemente melhor fazê-lo agora do que mais tarde.Mas, todo o movimento significativo que se vier a verificar na economia dos Estados Unidos para re-equilibrar a balança como “cliente internacional estável” conduzirá de facto à turbulência global.
De acordo com a análise de Obstfeld-Rogoff se o défice actual dos EUA se reduzisse por obra-e-graça-do-espirito-santo para metade (isto é, se viesse a decrescer de 6 para 3% do PIB) a Europa iria perder desde logo mercados de exportação, devido a um declínio do dólar de 25%, bem assim como sofreria perdas enormes em valores de património alocado a recursos estrangeiros.No final de 2004 estimou-se que a desvalorização do Dólar em relação ao Euro foi de 35% e de 24% em relação ao Yen, ao mesmo tempo que o stock dos recursos dos EUA em dólares detidos por estrangeiros estavam avaliados em U$11 Triliões.Se o dólar cair outros 30% como muitos predizem, atingirá a maior queda em toda a sua história: não uma quebra convencional no serviço da dívida externa, mas uma quebra por indução, “limpando” triliões aos valores de recursos detidos por estrangeiros.
Alan Greespan (FED) tinha reconhecido que era impossível continuar com taxas de Juro baixas e o facto é que elas já começaram a subir, assim como admitiu que “o défice da balança de pagamentos acabará abuptramente um destes dias” (!)
Finis Europae. Pressente-se a falência da tentativa de construção da EU dos Estados federados em função dos Mercados
o Modelo Cientifico de Obstfeld-Rogoff :
http://www.ex.ac.uk/~swrenlew/msc/mschand_obstfeldrogoff.pdf
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