Cavalleria Rusticana e la Navarraise, no Teatro Nacional de São CarlosFeitas as críticas (nihilistas) sobre os aspectos artísticos tanto Musical como Teatral, no blogue Critico Musical - Canto e Encenação
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Sobeja-nos os comentários sobre a inserção das duas óperas na vida em Sociedade.
Daria um óptimo libreto a descida aos sumptuosos foyers do São Carlos encenando o pedantismo dos frequentadores e os seus pungentes dramas para conservarem a forma operática como género superior de espectáculo para as Elites. No entanto, abstraindo-nos desse pequeno pormenor, e olhando para o palco, regra geral as histórias, amiúde tidas como paradigmas dos mais altos (e baixos) valores e contingências humanas, são afinal na realidade uns brutos dramalhões de faca e alguidar dos quais se tem tendência a sair frequentemente lavado em lágrimas.
1-“Cavalleria Rusticana” de Pietro Mascagni (1890)
melodrama em 1 acto, passa-se numa aldeia do SUL na Calábria violenta e supersticiosa
Embora o título da ópera nos possa sugerir cavalgadas e heroísmos, trat-se na verdade de decifrar as regras de “Cavalheirismo” (Cavalleria) “rústico” (tosco) cujos protagonistas se arrastam nos ciúmes primários entre dois machos bastante rústicos.
A época é a do Risorgimento, a da criação da Unidade Italiana:
Turiddu, um aldeão campónio, descobre ao regressar da tropa (um provérbio da Sicilia reza:”mais vale ser porco do que soldado”) que a sua noiva Lola casou com o homem rico da terra:Alfio. Por vingança Turiddu seduz Santuzza a mais rica herdeira da aldeia e com os ciúmes provocados reconquista Lola. Ali, os vícios e as virtudes são produtos como o açúcar ou as batatas. Santuzza desprezada e humilhada denuncia os infames amantes,,, o compadre Alfio ao descobrir, num velho costume siciliano abraça o seu rival e então Turiddu morde a orelha de Alfio. È o desafio,,,
Neste mundo camponês estes heróis plebeus tratam os seus instintos de honra individuais em ligação estreita aos valores da Familia e da Terra. Aqui o que se faz, cada um faz por si próprio.
Aqui mata-se em dia de Páscoa no largo da Igreja. “Mala Pasqua”! dirá Santuzza no final.
Elisabete Matos, soprano,uma estrondosa ovação!2 – La Navarraise (a Navarrina) de Jules Massenet (1894)
Por contraste, a NORTE, combate-se pela cidade, pelo Colectivo.Os dramas dos homens tratam-se mais no âmbito das suas contingências sociais como Comunidade.
Uma nova casta burguesa nascida da industrialização em massa nos fins do século XIX, explora o Sul. É a época das greves nos campos, do aparecimento dos sindicatos, do partido operário e do partido socialista.
Em Bilbau na Biscaia, refúgio predilecto dos insurrectos de toda a espécie, um bando de revoltosos numa aldeia basca espanhola insurge-se contra as tropas nacionalistas do general Garrido contra quem travam combates sangrentos e fraticidas. È o periodo das guerras carlistas.
A jovem viúva Anita, a navarrina, está apaixonada pelo recem-promovido alferes Juan Araquil, cujo pai de familia aristocrática para consentir no casamento exige á plebeia Anita um dote de dois mil duros.O General Garrido promete um prémio a quem “caçar” o chefe carlista Zucorraga. Anita insinua-se junto dos revoltosos e mata Zucorraga, voltando para reclamar a recompensa.Aí encontra o seu amado Araquil no prestigio da sua farda, que pensa primeiro nos irmãos caídos do seu regimento, ferido de morte em combate, roido pela dúvida se ela, depois de ser vista no campo inimigo, não será uma espia infiltrada. Com a morte de Araquil, a assassina por amor, não resiste á hecatombe e acaba louca, agarrada ao saco do dinheiro, á porta da Igreja.
Guido de Monticelli – uma encenação notável
Ambas as óperas, ditas naturalistas, rompem com a tradição clássica de encenação romântica burguesa, nos seus cantos nobres abertos e estridentes voluntariamente relaxados em dramas de amor até á morte, ou em tom de comédia cómica (dita bufa) em formas de Arte sem objectivos politicos.
Nesta nova corrente, o “Verismo” (um Realismo de efeito psicologicamente verdadeiro), a Burguesia apercebe-se que, em episódios trágicos e sangrentos, não se morre só de amor!,,, No SUL pobre, na Sicilia morre-se de fome: ganhando uma lira por dia os camponeses, dominados pela submissão cultural á Religião, são a principal fonte na grande vaga de emigração para a América.
No NORTE, mais ateista, morre-se num mundo de sangue e furor onde se joga o futuro, onde uma mulher monstruosa, sob impetos de amor e de preces, comete um crime perpretrado por dinheiro, num drama mais lamentável do que heróico.
A Norte, em Massenet o drama escrito é primordial, surgindo os sons de forma que a Música adira ao texto que desperta o sentido épico colectivo.
No Sul pobre e religioso, em Mascagni é a Música o essencial, uma mistura de romanza napolitana de DiCapua e de hinos religiosos que nos emociona a nivel individual, olvidando-nos das tristes e miseráveis condições de vida social.